A greve dos professores da rede pública do Estado do Maranhão já chega a quase setenta dias provocando entre a população maranhense um importante debate: a quem responsabilizar, não só pela greve, mas pela indisfarçável precarização que atinge a oferta desse serviço público? Por que quase sempre ocupamos as últimas posições dentre os demais entes federados em um país em que a cobrança de impostos, diante dos serviços públicos ofertados, é um latrocínio social?
Em primeiro lugar cabe salientar que esse processo se dá diante da maior crise econômica que vive o capitalismo desde 1929. Somente em 2008 os governos de todo o mundo gastaram mais de 33 trilhões de dólares para salvar capitalistas falidos. Esse dinheiro daria para resolver o problema da fome no mundo por dezenas de vezes. Além dessas vultosas doações, os governos subservientes terão que precarizar e privatizar os serviços públicos para que o capital recupere suas taxas de lucros.
Essa é a política que os organismos imperialistas como o Banco Mundial, a UNESCO e a UNICEF têm para os países de terceiro mundo como o Brasil. Sinalizam ajuda financeira condicionada a restrições da oferta de serviços públicos para desbloquear a expansão do capital para áreas até então restritas ao controle estatal, a exemplo da educação. Mas, para que esse processo se realize é necessário remover do seu caminho todo e qualquer obstáculo.
Considerando que professores e alunos, pela posição que ocupam no processo educativo, são os dois principais sujeitos em defesa da educação pública, passam a ser, igualmente, os dois principais alvos das políticas criminalizantes desses governos. Para isso, as avaliações de desempenho (ENEM, Prova Brasil, SAEB, ENADE, etc.) são extensão da política de criminalização desses sujeitos históricos. Avaliam-se professores e alunos sem considerar a estrutura de funcionamento do sistema escolar e seus investimentos, um dos menores do mundo. O Brasil investe menos de 5% do PIB em educação.
O rankeamento (competição entre escolas) é uma política comprovadamente fracassada em países como os Estados Unidos onde a taxa de evasão na escola pública alcança 30% em nível nacional e os impressionante 50% em muitas das grandes cidades. No entanto, o Brasil está adotando esse modelo, não por mera imitação, mas por que tanto FHC, como Lula e agora Dilma têm aprofundado o papel do Brasil como sub-metrópole do imperialismo estadunidense.
Paralelo a essa estratégia, há uma política deliberada de tentar transformar o ambiente escolar em “campo de batalha” entre professores e alunos. Cerca de 70% dos docentes do Brasil já sofreram algum tipo de agressão física ou moral. Sem compreensão global dos interesses e agentes por trás do processo de precarização e mercantilização da educação, os laços sócio afetivo entre professores e alunos e às vezes no interior de cada um desses grupos sociais são cada vez mais tênues. Isso explica a tentativa do governo Roseana Sarney (PMDB/PT) colocar professores e alunos em trincheiras inimigas. Aos professores caberia a responsabilidade pelo fracasso escola pública. Mas será mesmo que essa acusação procede? Vamos aos números.
O “Estudo Comparativo das Despesas Públicas dos Estados Brasileiros: um Índice de Qualidade do Gasto Público Pesquisas” mostra que o Maranhão é penúltimo estado do Brasil com despesas médias per - capita (insumos) investidos na função educação (apenas 0,194), dois pontos a menos que o último colocado (Pernambuco com 0,192) e muito abaixo do Distrito Federal que investe 1.000. Entretanto, nosso estado ocupa a décima posição no índice de Bem-Estar, isto é, somos o décimo com melhor desempenho do país e o primeiro do nordeste, considerando os parcos recursos investidos.
Isso demonstra claramente que a falta de compromisso com a educação pública é exclusividade dos governos que passaram pelo Estado do Maranhão e não dos professores. Por outro lado, fica no ar a pergunta: como é possível obter tal desempenho com um investimento tão imoral? A pesquisa acessada não responde a essa pergunta, mas há duas explicações óbvias para esse “fenômeno” da educação do Maranhão.
A primeira é a dedicação e o compromisso do conjunto da categoria com a educação pública, fator esse que contraria o discurso do governo Roseana Sarney (PMDB/PT) de que os professores estariam prejudicando os alunos com a greve. A segunda explicação provém do “bolso amigo” e da improvisação do professor. Muitos professores xerocam textos com o próprio dinheiro para dinamizar suas aulas, outros ministram aulas com recursos tecnológicos de sua propriedade (DVD, data-show, notebook e até televisão). Instrumentos de trabalhos como os pincéis de quadros são comprados pelos próprios docentes. Salas de aulas são transformadas em salas de vídeos. Mais grave é a situação de professores de educação física que são obrigados a ministrar aulas práticas nos corredores, pátios (naquelas escolas que possuem) ou mesmo nas salas de aulas. De cada 5 escolas da rede pública do Brasil apenas 1 possui quadra. Não resta dúvida de que esse déficit deve ser bem mais acentuado no Maranhão.
Todo esse sacrifício, em meio à falta de estrutura, deveria fazer com que todos os maranhenses se orgulhassem dos seus professores, e se envergonhassem de seus governantes, isso por que esses jamais se envergonharão dos seus atos. A esse respeito o deputado federal, assumidamente sarneísta, Gastão Vieira (PMBD), em entrevista concedida a TV Mirante no dia 25 de abril deste ano responsabilizava os professores pela falta de investimento na educação pública. Disse ele que quase toda verba do FUNDEB, 90%, é utilizada para folha de pagamento de professores, não restando quase nada para atender outras demandas. Gastão Vieira omitiu “sabiamentirosamente” aos telespectadores que a verba da educação pública não se limita ao FUNDEB e que em vários estados os gastos do FUNDEB com professores chegam a casa dos 100%.
Ironicamente, ao mesmo tempo que o governo Roseana diz que o Maranhão é segundo Estado que mais cresce no país, inclusive batendo recorde de arrecadação mês após mês, nega-se a investir parte desses recursos em educação pública. O FUNDEB obriga o governo a aplicar os 25% dos “excessos de arrecadação” na educação pública, mas a lei é letra morta nos estados em que as oligarquias têm sobrevida.
Não temos acordo nem alimentamos ilusão com a política dos chamados “fundinhos”, como era o FUNDEF e hoje o FUNDEB, isso em razão de suas limitações orçamentárias e tendência privatizante. Mas, nem mesmo essa política minimalista para a educação pública a oligarquia Sarney consegue implementar. Na verdade em um estado governado há mais de 40 anos por um grupo político hiper-atrasado jamais teremos condições de, se quer, realizar o projeto de escola burguesa, imagine uma escola que atenda aos interesses da classe trabalhadora. Em contraste com esse quadro, a governadora Roseana Sarney é convidada a levantar o troféu de segunda governadora mais rica do Brasil com um patrimônio declarado de 7, 8 milhões de reais, perdendo apenas para o governador Teotônio Vilela (PSDB) do paupérrimo estado de Alagoas com um patrimônio de 14,62 milhões de reais.
Falamos em um outro momento que a educação pública jamais será a tabua de salvação da humanidade , pois não é essa a sua função no modelo de sociabilidade capitalista. Convém ressaltar, porém, que a precarização da educação pública dialoga com graves problemas que assolam a sociedade brasileira, especialmente a nordestina.
Dado do IBGE (2000) indica que filhos de mulheres com menos de oito anos de estudo tem 2,5 mais possibilidade de engordar as estatísticas de mortalidade infantil do que os filhos de mulheres com oito anos ou mais de estudos. Em 2004, taxa de mortalidade na região nordeste entre crianças com até 1 ano de idade cujas mães tinham até 3 anos de estudos chegava ao impressionante 54% (54 para cada 100). Considerando que o Maranhão ocupa a segunda posição em taxa de mortalidade infantil (26%) e que a maioria dessas crianças é negra, é possível afirmar que a omissão do governo Roseana Sarney com a educação pública tem contribuído para esse quadro de etnocidio infantil no Maranhão.
O déficit de matriculas no ensino médio maranhense ocorre paralelo ao crescimento da taxa de homicídio de 22,2% entre a juventude negra maranhense no período de 2002 a 2008. Aliado a isso o trafico de crack deu um salto de 120% em apenas um ano. Por outro lado, o baixo investimento em educação pública explica, ainda que parcialmente, o nível de escolaridade dos detentos brasileiros. Dos 393.488 encarcerados no Brasil, aproximadamente 250.000 não possuem se quer o ensino fundamental completo (fonte: Infopen, 2008/2009).
Não resta dúvida de que o grande impedimento por parte do governo Roseana para atender a pauta de reivindicação dos professores em greve não é a falta de recursos, mas a necessidade de manter suas bases políticas ciclotimias, que muda de posição de acordo com a situação. As constantes fissuras intraoligárquica resulta da tentativa de transformar o Estado Social em um balcão de negócios políticos. Por isso mesmo, paralelo a greve dos professores, há uma disputa na “corte do rei” para ver com quem fica a Secretaria de Educação, a que possui o maior orçamento do Estado.
Em meio a tanta barbárie é preciso considerar a greve dos professores como uma grande lição para a sociedade maranhense, pois como dizia uma professora “essa greve, é uma greve moral”. E de fato é uma greve moral; moral e política. Os marxistas costumam lembrar que toda greve econômica deve ser transformada em uma greve política, uma greve contra o capital e seus governos, não devendo ficar limitada as necessidades imediatas das categorias, mas da classe trabalhadora de maneira geral. E é isso que está acontecendo nessa “baita” greve, uma greve que foi politizada, não pelos marxistas, mas pelo próprio governo.
O coração de pedra do governo Roseana Sarney, bem como o seu “braço de ferro” estendido contra os professores, está mostrando a população maranhense que esse mesmo governo é letal não só para a educação, mas para o conjunto dos serviços públicos do Maranhão; por isso mesmo outras categorias ensaiam entrar em greve nos próximos dias. A última prova disso foi a marcha “Fora Honoráveis Bandidos” construída pela CSP Conlutas-MA, sindicatos filiados e diversos movimentos sociais e estudantil (ANEL). A mesma foi encerrada com um grande ato em frente a Secretária de Educação do Estado Maranhão onde centenas de professores se encontram acampados desde o dia 26 de abril.
Essa é a “sinuca de bico” que se encontra o governo Roseana Sarney; atender as reivindicações de uma categoria que já demonstrou que não vai recuar ou aos seus aliados vampirescos, sedentos para fincar suas presas na veia gular do dinheiro público.
* por Hertz Dias, graduado em História, mestre em educação e militante da CSP Conlutas-MA.
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Att,
Juci